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Alocação de espectro eletromagnético: desafios e oportunidades na ponta

Alocação de espectro eletromagnético: desafios e oportunidades na ponta

A mesa redonda foi realizada em João Pessoa, no Fórum de Governança da Internet (IGF) de 20151, organizada pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br), a Associação para o Progresso das Comunicações (APC) e o Instituto Nupef.2 Contando com 13 participações de representantes de governos, reguladores, pesquisadores, empresas e sociedade civil3, as falas apontaram principalmente os debates sobre novas tecnologias de gestão do espectro, que proporcionam seu uso mais eficiente, e sobre estratégias para tentar contornar as pressões que atrasam ou impedem mudanças fundamentais na maneira de ocupar esse bem público.

A transição das transmissões de rádio e TV da tecnologia analógica para a digital envolve a possibilidade de passar um regime operado sob a lógica da escassez, da atribuição de exclusividade no uso das faixas de frequências, a outro, onde uma gestão ótima é capaz de dar conta de um fluxo intenso de dados em conexões móveis e fixas. Quando se fala em um uso mais eficiente, considera-se a possibilidade que a alocação dos espaços para transmissão possa ser otimizada por software, localizando faixas livres automaticamente ou através de um banco de dados geolocalizados de faixas disponíveis, e realizando uma múltipla ocupação do espectro, com muito mais atores. Essas novas possilidades sugerem que normas que regulam a alocação de espectro também precisam mudar.4

Propondo-se a dialogar sobre uma perspectiva que contrasta as distintas realidades tecnológicas e sociais onde se experimentam novas tecnologias de gestão do espectro, um dos objetivos da mesa redonda foi considerar desafios a serem enfrentados no Brasil e em outros países com a transição da radiodifusão analógica para digital, que ocorre em paralelo à ampliação dos serviços de comunicação digital para dispositivos móveis. Frente às possibilidades técnicas hoje disponíveis, de que maneira a comunicação social e o poder público podem se beneficiar da criação de um possível novo modelo de gestão, que responda à chegada de uma população de aparelhos eletrônicos pessoais que demandam um uso crescente de espaços no espectro público?

A demanda de mais espectro não significa, porém, que atualmente já se tenham saturado todas as frequências, em todas as bandas. Ao contrário, em muitos países, a quantidade de espectro utilizada por governos vai de 40 a 60%, e no Brasil, a média de ocupação de espectro das cidades é de 50%.5 Ou seja, ao considerarmos um uso eficiente, faz-se necessário verificar a efetiva necessidade de espectro e propor seu uso dinâmico, que viabilize a inovação e as infraestruturas de comunicação necessárias em serviços locais.

Conclusões relevantes da mesa redonda

  • O uso efetivo do espectro na maioria das cidades pode estar em torno de 50% das faixas disponíveis e designadas.
  • Novas tecnologias de rádio de software (rádios cognitivos) abrem possibilidades relevantes para o uso inovador do espectro.
  • Gestores públicos, comunidades e empreendedores locais podem ter oportunidades relevantes ao dispor das novas tecnologias de uso do espectro combinadas com regulação adequada.
  • Políticas regulatórias sobre o uso das faixas liberadas com a transição para a TV digital deveriam estimular o uso inovador do espectro na ponta para transmissão de dados e mídia (rádio comunitária, TV comunitária), contribuindo para o direito à comunicação a nível local.
  • Deve ser componente central de uma estratégia nacional de conectividade a combinação ótima do acesso local às espinhas dorsais de fibra óptica e técnicas inovadoras de rádio digital na ponta para a universalização e democratização do acesso.
  • Projetos demonstrativos ou experimentais sobre o uso de “espaços em branco” na ponta sendo propostos ou implementados no Brasil com licenciamento provisório da Anatel e apoio do Ministério das Comunicações são relevantes como referências de possíveis boas práticas.
  • O uso de faixas ociosas, ou o uso secundário do espectro, entre outras técnicas viabilizadas com o uso de rádios cognitivos, requer práticas regulatórias que o facilitem.
  • As frequências VHF e UHF utilizadas atualmente pela TV analógica e rádios FM são ideais para aplicações de comunicação a distâncias muito maiores que as atuais bandas não-licenciadas de wi-fi; implementações no Canadá para comunidades rurais são referências relevantes.
  • As disputas atuais envolvendo empresas de telecomunicação e empresas de mídia, como visto na Conferência Mundial de Rádio (WRC) de 2015, podem resultar em barreiras adicionais para o uso comunitário das faixas de VHF e UHF do espectro.
  • É relevante considerar a proteção de usuários do espectro nas comunidades – direito à privacidade versus vigilância.
  • As políticas regulatórias relativas à transição para a TV digital nos EUA já contemplam o uso das faixas liberadas por serviços locais de rede, com formas flexíveis de licenciamento.
  • Deve-se criar condições para que a própria comunidade tenha meios efetivos de medição do uso local do espectro, cujos resultados informariam opções de políticas regulatórias para a implementação de serviços locais; dispositivos de baixo custo já estão disponíveis para que esse monitoramento não intrusivo possa ser realizado regularmente.
  • É essencial a defesa de regulações e políticas de incentivo para a inovação a nível local em serviços wireless, especialmente que envolvam o uso inovador do espectro (incluindo novas tecnologias, facilitação do uso secundário, licenciamento flexível ou uso livre limitado (“unlicensed”) de canais VHF/UHF etc). Em resumo, flexibilidade no acesso ao espectro para inovação e inclusão digital no nível local.
  • As disputas envolvendo as forças dominantes (grandes empresas de telecomunicações e de mídia) para obter faixas de espectro não deveriam impossibilitar que faixas sejam reservadas para uso comunitário, inovação e serviços locais.
  • A sociedade civil organizada e a comunidade técnica devem interagir colaborativamente ao elaborar e defender propostas de políticas regulatórias.

Gestão dinâmica do espectro
Embora diversos, os posicionamentos da mesa convergiram na ideia de que um novo paradigma emerge, e mesmo diante de apresentações voltadas para a descrição de casos, sobretudo no Canadá, África e Estados Unidos, onde o uso dos “espaços em branco” da televisão foi amplamente abordado como novidade tecnológica, um destaque relevante foi a atualidade do conceito de rádio cognitivo, que utiliza software avançado para otimizar o efetivo uso das faixas de espectro.

Robert Nelson (apresentação em vídeo) afirmou que nos EUA foram autorizados os usos de “espaços em branco” onde não causassem qualquer interferência em emissoras locais. Ou seja, defendeu que os países interessados em manter seu atual uso dessas bandas deveriam poder continuar a fazê-lo. Contudo, se o desejo fosse de avançar com banda larga móvel nesses territórios, a oportunidade deveria ser oferecida de acordo com as prioridades de cada localidade.

Catherine Middleton, pesquisadora da Ryerson University em Toronto, lidera um projeto de pesquisa que enfoca a adoção dos consumidores às novas tecnologias da comunicação, com especial interesse em dispositivos móveis, e no desenvolvimento de redes de banda larga fixa e sem fio.6 Middleton trouxe um relato sobre como estão se desenvolvendo os processos de inovação tecnológica utilizando os “espaços em branco” no Canadá, e resumiu: “na realidade, nada aconteceu ainda.” Lembrou que muitas das aplicações disponíveis nos celulares permacem esquecidas, e que não existe um banco de dados de distribuição de frequências que viabilize a oferta de serviços em faixas sem uso. Embora existam muitos documentos apontando “o valor potencial, a inovação e a oportunidade para comunidades se envolverem” neste processo de otimização do uso do espectro, até o momento “ainda não chegamos lá”, analisou.

Comparando o Canadá ao Brasil, Gregory Taylor enfatizou que ambos os países possuem um território vasto, e uma história em comum de tentativas de alcançar as áreas rurais. Relatou que os canadenses que moram nas áreas urbanas dispõem de banda larga com 50 Mbit/s, enquanto apenas um quarto dos canadenses das áreas rurais acedem à Internet com essa velocidade, ou seja, que o principal problema talvez não seja ter ou não acesso, mas a que velocidade esse acesso está sendo permitido nas áreas rurais. A maior parte do espectro de televisão aberta não está sendo utilizada no Canadá. Definir o que é uma área rural pode variar, sendo questionável o parâmetro que assume 100 mil pessoas vivendo em um raio de 50 km. Acrescentou ainda que 40% dos sistemas remotos de banda larga deixaram de funcionar e que, hoje, o Canadá aguarda as decisões regulatórias dos EUA, tendo congelado temporariamente o licenciamento de banda larga para áreas remotas do Canadá, que não podem aumentar ou modificar de nenhuma forma seus sistemas. Concluiu que dois fatores estão atrasando o desenvolvimento de uma nova gestão do espectro: “a incerteza da disponibilidade do espectro a longo prazo”, que torna o licenciamento anual uma dificuldade para o modelo de negócios; e, em segundo lugar, a possibilidade de um uso secundário, no caso de “espaços em branco”, ser subitamente atropelada por uma emissora de televisão. Mesmo registrando o potencial das iniciativas nos “espaços em branco”, não se deu ainda a oportunidade disso acontecer no Canadá, concluiu.

Mike Jensen, da Associação para o Progresso das Comunicações (APC), ressaltou que não se deve adotar um mesmo modelo onde os ambientes são diferentes, e que devemos considerar com cuidado a ideia de uma estratégia global única em relação a como avançamos na gestão eficiente do espectro. Concordando com o potencial de uso dos “espaços em branco” da TV analógica, especialmente nos países em desenvolvimento, destacou que o uso desses espaços não necessariamente causa interferência nos serviços das emissoras. Relatou que as operadoras de telecomunicações resistem a políticas de acesso mais eficiente como uma maneira de manter seus negócios.

Jensen nota que nos EUA, Canadá, na Europa e em partes da Ásia e África, onde há banda larga de boa qualidade, as pessoas também usam a Internet para acessar os conteúdos tradicionais das emissoras de televisão. Acrescenta que o uso dos “espaços em branco” tem um grande potencial nos países em desenvolvimento para o atendimento das necessidades de acesso: “vimos que testes mesmo nas áreas de uso mais denso do espectro na África, como na Cidade do Cabo (devido à topografia montanhosa e aos serviços avançados de midia) revelam que o uso dos 'espaços em branco' podem não interferir com serviços de TV” e lembra que em outras regiões da África praticamente não há uso do espectro destinado à TV. Finalmente, Jensen lembra que devemos pensar bem sobre o que queremos dessas tecnologias no futuro, mesmo porque ainda não as implementamos agora.

Somando às narrativas sobre problemas de gestão e demanda de acesso crescente ao espectro, Steve Song relatou sua experiência na África Subsaariana, onde planejava-se iniciar a transição para a TV digital em 2006, para que todo o sistema estivesse operando com sinal digital até junho de 2015. Song lembra que em 2006 a banda larga de hoje era praticamente inexistente, não havia o “smartphone” e NetFlix era um serviço de entrega de DVDs via correio – era uma situação completamente diferente do que conhecemos hoje, e essa evolução afetou os planos de negócios da transição para a TV digital.

Com a presença de enlaces de fibra às espinhas dorsais, Song considera que empreendedores locais usem espectro não licenciado, com licenciamento leve e outras formas de flexibilização do espectro que podem ainda surgir para a prestação local de serviços. Mas destaca que necessitamos de um regime regulatório que permita que empreendedores locais e a comunidade resolvam seus próprios problemas de acesso, já que essa possibilidade existe.

Harold Feld abordou os desafios da participação da sociedade civil nas políticas de espectro. Lembrou que não há uma percepção pública das políticas de “espaços em branco”, afirmando que o espectro não-licenciado hoje atende a cerca de cinco milhões de pessoas em áreas rurais nos EUA, e que o momento é propício para se realizar mudanças na regulação, algo que se previa há 10 ou 15 anos atrás. Lembrou que as demandas por espectro não se traduzem apenas em “planos de negócios”. Enfatizou a necessidade de mudança na mentalidade dos reguladores, já que hoje “não precisamos limitar o número de pessoas que usam as ondas em nome da prevenção às interferências”, e que dispomos atualmente de software que realiza essa tarefa muito melhor que os humanos, tornando o espectro não-licenciado uma oportunidade de corrigir os tantos erros cometidos na gestão do espectro no último século.

Giacomo Mazzone ressaltou a importância da mesa redonda no IGF, porque até 2018, nenhum outro evento intergovernamental está previsto para abordar o assunto do acesso dinâmico ao espectro, o que sugere um problema: o espectro corre o risco de ser inteiramente tomado por demandas puramente econômicas, gerido sob critérios financeiros. Assim, o interesse público, os serviços públicos, ficariam sem espaço algum. O maior problema, concluiu, é a “necessidade de mudança geral de atitude”, que compreenda o espectro como bem comum, onde deve prevalecer o interesse geral de sua gestão eficiente, não apenas o interesse de particulares.

A Digitalização do Espectro Brasileiro
A mesa contou com a mediação de Maximiliano Martinhão, engenheiro em telecomunicações com vasta experiência governamental, que apresentou um conjunto de dados e iniciativas em curso no Brasil para melhorar a gestão do espectro eletromagnético no país. Lembrou que há mais de 200 milhões de SIMs da rede celular habilitados para acesso à Internet, enquanto metade da população do país não possui acesso efetivo à Internet. Falou em soluções para conectar o interior, mas destacou a importância do uso das novas tecnologias de rádio combinadas com uso eficiente do espectro. Lembrou ainda que no Brasil, em metade das cidades, apenas metade do espectro alocado é efetivamente utilizado, o que justifica a adoção de tecnologias de uso com os novos rádios digitais. Se existem novas tecnologias que podem oferecer um uso mais justo do espectro, quais são as oportunidades e desafios na atual transição da televisão analógica para digital?

O tema da televisão nos leva a uma nota sobre a implementação de tecnologias. Se pensarmos, por exemplo, na adoção da tv digital interativa brasileira, que desde 2006 amplia seu uso como padrão escolhido em quase toda a América Latina e avança na África e outros países, como sistema nipo-brasileiro – que tem o Ginga7, o midleware de interatividade desenvolvido sob a liderança do prof. Luis Fernando Soares, do Laboratório de Telemídia da PUC-RJ – como incentivar a adoção desta ferramenta inovadora, e em que condições ela poderia ser experimentada e medida em seus potenciais? Mais profundamente, e se nos perguntássemos, afinal, o que é mesmo uma interatividade na/via televisão? Passada uma década desde o começo das transmissões digitais, a população brasileira praticamente desconhece o que seja interatividade na televisão. De outro lado, a novidade dos “espaços em branco” para ampliação dos serviços de banda larga surge como oportunidade de desenvolvimento com a liberação das faixas hoje ocupadas pelas emissoras de televisão analógica. Seria esta então uma solução suficiente, adequada ao nosso contexto? Que outras soluções de comunicação digital poderíamos estar nos ocupando em pesquisar e discutir? E o Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD), cuja portaria data de 20108, será decidido quando?

Rodrigo Zerbone, da Anatel, relatou que o Brasil está no estágio final de mudança da tecnologia para digital na televisão, com o objetivo de liberar a atual faixa ocupada pela TV analógica para serviços móveis de banda larga. Argumentou que essa faixa tem uma característica de propagação superior, sendo um potencial a ser explorado para provedores de serviços de Internet. Abordou os recentes avanços nas tecnologias de rádio digital, que trouxeram novos equipamentos, expandindo a disponibilidade de serviços “geolocalizados”. Afirmou que a Anatel trabalha em um novo sistema de gestão do espectro, e um banco de dados será oferecido para operadores de telecomunicação e emissoras de rádio e televisão, contendo todas as informações relevantes para planejamento, licenciamento e monitoramento de prestadores de serviços via espectro radioelétrico. E, finalmente, que a Anatel está em processo de atualização da regulação em vigor de radiofrequências, esperando-se uma definição para este começo de 2016: nas frequências de rádio alocadas para uso primário, haverá a possibilidade de alocação da mesma banda, com as devidas proteções contra interferência, para uso secundário, quando os serviços primários não tiverem começado após um tempo determinado pela agência. Como se trata ainda de uma resolução em consulta pública, resta aguardar os resultados.

Do lado da sociedade civil brasileira, Adriano Belisário chamou a atenção para o fato de que, embora concebida em um formato horizontal, há muita concentração de poder econômico e político na Internet. Se a pergunta é “como conectar o próximo bilhão de pessoas”, a noção de convergência digital não pode significar substituir todas as mídias pela Internet. Considerando a emergência do rádio cognitivo, grupos organizados da sociedade civil demandam sua fatia de espectro para provimento de serviços locais, o “Espectro Livre”9, que reivindica tanto o uso das faixas ociosas dos celulares - propondo-se ao uso secundário de uma faixa licenciada - quanto a separação de espaços de experimentação como os “espaços em branco”. O Espectro Livre acompanha o apelo por uma nova regulação de mídia no Brasil, onde o espírito de compartilhamento e a participação da sociedade civil sejam estimulados e viabilizados com novas tecnologias de gestão do espectro, que tornaram a gestão estatal obsoleta. Por fim, o pesquisador fez alusão ao movimento do software livre, afirmando que o Espectro Livre se refere à liberdade de expressão, não à liberdade de mercado, e que ampliar as faixas não-licenciadas e para serviços sem fins lucrativos é um desafio crucial neste começo de século.

Veridiana Alimonti, integrante do Intervozes, ressaltou que o espectro é um recurso fundamental para as comunicações desde a era do rádio. Considerando a Internet, esse potencial será para todos se atingirmos o objetivo de prover o acesso universal, ainda distante nos países em desenvolvimento. Atenta às desigualdades de acesso, criticou as soluções baseadas em “zero-rating”, ou do aplicativo “Free Basics”, recentemente banido da Índia10. No Brasil, enfatizou, a alocação do espectro para serviços móveis tem privilegiado as grandes empresas de telecomunicação, e não se tem adotado nenhuma parcela do espectro para uso do poder público, ou qualquer subdivisão que permita aos pequenos provedores o acesso às novas licenças. Se em metade das cidades apenas metade do espectro é de fato utilizado, precisamos avançar no uso secundário das frequências, valendo-nos de novas tecnologias, como o rádio cognitivo. A discussão sobre uma nova regulação de radiação restrita, com a proposta de supressão da necessidade de licença para pequenos provedores de banda larga, acompanha a chegada dos novos equipamentos de radiação restrita, ao que algumas organizações da sociedade civil consideram oportuno incluir o uso não-licenciado de bandas de frequência para estimular, e até “priorizar”, as iniciativas sem fins lucrativos, ou o provimento direto pelo Estado no contexto de suas políticas públicas. A digitalização permite avançar na democratização do uso do espectro por meio de novos serviços, sem licença ou com licenciamento comunitário leve, incluindo serviços de comunicação mais tradicionais como rádio e televisão.

Na seção de perguntas, Thiago Novaes perguntou, levando em consideração a recomendação da ONU para que se divida o espectro em três porções, atendendo ao princípio de complementaridade previso na maioria dos países – e seguida por alguns países latinoamericanos como Argentina, Equador, Bolívia, Uruguai, Venezuela, entre outros –, o que os presentes achavam da atribuição de um terço do espectro para os serviços comerciais, um terço para o Estado e um terço para o público/comunitário, como sugere nosso Art. 223 de nossa Constituição Federal11. As respostas pouco divergiram, assumindo a gestão do espectro mais como um problema técnico que político: na visão dos especialistas, o espectro inteiro é um bem comum e sua nova gestão deve levar em consideração as técnicas que permitem essa premissa.

Lucas Teixeira, por fim, mencionou o relatório de David Kaye, da ONU, que enfatiza a importância da criptografia para a Liberdade de Expressão12, e perguntou como essa avaliação se relacionava às abordagens discutidas sobre o acesso comunitário ao espectro.

Conclusão
A primeira grande conclusão da mesa sugere que as novas tecnologias de software para rádio podem abrir possibilidades relevantes para o uso inovador do espectro, permitindo que governos, empresas e sociedade civil possam prover serviços locais, nas comunidades e municípios. Políticas regulatórias sobre os “espaços em branco” de TV surgem como potencial uso inovador do espectro para transmissão de dados e de radiodifusão na ponta, ampliando o direito à comunicação. A televisão e rádio digitais nas comunidades necessitam de políticas regulatórias que facilitem estas iniciativas, particularmente sem fins lucrativos e para aplicações de governo local.

Considerando os relatos de casos, que propõem a utilização dos “espaços em branco”, o fornecimento de licenças experimentais da Anatel, com o apoio do Ministério das Comunicações, são iniciativas relevantes para estabelecer uma referência no país, já que em poucos países há resultados expressivos sobre esse uso das faixas de televisão para provimento de banda larga móvel. Importante, no entanto, é avaliar se a velocidade de Internet a ser oferecida é compensada no fator de propagação, ou se seria mais eficaz investir na universalização das tecnologias de transmissão de dados via rede celular (4G e o futuro 5G). O contexto brasileiro de recepção dos sinais de televisão revela-se bastante diverso dos países onde o “white space” se tornou uma alternativa à interiorização da banda larga, e isso deve ser avaliado a longo prazo.

O uso secundário do espectro, valendo-se de tecnologias de rádio cognitivo, pareceu promissor em todas as apresentações, exigindo elaborações regulatórias específicas, que definam prazos e medições sobre a utilização efetiva do espectro em nível local. Considerando a disponibilidade de recursos técnicos de baixo custo, existe um potencial enorme a ser explorado no provimento comunitário e municipal de serviços de telecomunicação. Falou-se em “licenciamento-leve”, ou seja, sem necessidade de pagamento de altas taxas, e mesmo na liberação de faixas para usos sem fins lucrativos. Evitando-se que as grandes empresas se apoderem de todo espectro disponível, a expectativa é que comunidades e grupos organizados tenham acesso ao espectro para a inovação, inclusão digital e serviços locais.

Por fim, mesmo concordando que a mudança em curso é de paradigma, e que, portanto, incide sobre o conjunto de todas as faixas a serem geridas por novas tecnologias, resta avaliar se a divisão do espectro em três partes seria uma alternativa à ameaça comercial de tomada do espectro, reservando-se espaços para o poder público e para comunidades. Se há a possibilidade de gestão dinâmica do espectro, que ela atenda a seus fins públicos, e se abra à inovação proposta pelo Open Spectrum (http://openspectrum.info/), nos EUA, ou, como se propõe no Brasil, de “Espectro Livre”.

Nota: este texto é uma tradução adaptada por Thiago Novaes e Carlos A. Afonso da transcrição original em inglês da mesa redonda “Spectrum allocation: challenges and opportunities at the edge”, no IGF 2015, cujos relatores foram Carlos A. Afonso (Nupef) e Vinicius W.O.Santos (NIC.br).

--
1. http://www.intgovforum.org/cms/

2. http://www.intgovforum.org/cms/2015-igf-joao-pessoa/workshops/list-of-pu...

3. Os treze participantes registrados foram: Maximiliano Martinhão (presidente da mesa, Brasil); Catherine Middleton, Ryerson University (Canadá); Adriano Belisário, Nupef (Brasil); Steve Song, Village Telco (EUA/África do Sul); Rodrigo Zerbone, Anatel (Brasil); Robert Nelson, FCC (EUA) – vídeo; Gregory Taylor, Universidade de Calgary (Canadá); Mike Jensen, APC (África do Sul); Veridiana Alimonti, Intervozes (Brasil); Harold Feld, Public Knowledge (EUA); Giacomo Mazzone, EBU (Suíça); Thiago Novaes, Nupef (Brasil) e Lucas Teixeira, Coding Rights (Brasil).

4. Para um apanhado jurídico sobre a importância da gestão dinâmica do espectro, ver: http://culturadigital.br/blog/2015/05/07/gestao-dinamica-do-espectro-e-d...

5. http://www.webbsearch.co.uk/wp-content/uploads/2013/09/Dynamic-White-Spa...

6. http://canadianspectrumpolicyresearch.org/contact/catherine-middleton

7. https://pt.wikipedia.org/wiki/Ginga_%28middleware%29

8. http://www.mc.gov.br/portarias/25477-portaria-n-290-de-marco-de-2010

9. https://pt.wikipedia.org/wiki/Espectro_livre

10. https://pt.globalvoices.org/2016/02/11/apos-pressao-da-sociedade-servico...

11. http://www.radiolivre.org/?q=node/5110

12. http://observatoriodainternet.br/post/uma-breve-analise-do-primeiro-rela...

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